Um dia meus ouvidos não vão mais aguentar – ela pensou, enquanto dividia o som da música dos fones com o barulho quente do motor do ônibus.Ela queria que seus sapatos não mais encharcassem no caminho de casa. Os de camurça já tinham ido para o lixo. Chuva, água e só a troca de roupa era suficiente.
Na calçada, o platônico de sempre. Bermuda, cabelos pretos e às vezes óculos.
Desde o colégio ele a olhava. Paquerava e pedia um beijo. Na época ele namorava e ela não topou.
Desde então era a mesma coisa em todas as férias. Há seis, sete, talvez oito anos. Ela passava na calçada e ele estava lá com aquela cara de abandono. De pidão. De amor da sua vida.
Ela retribuía com os lábios cerrados para o lado direito, com suspiro de insatisfação. Perdida por ele. Tímida demais para alguma atuação. Caminhava como na novela, amando quem nunca seria seu.
Um dia, ao descer do ônibus, o viu parado de mochila no ponto. Fez o cumprimento de conveniência mas arriscou mais. Talvez tudo. Puxou papo.
– E aí, o que está fazendo da vida?
– Medicina e você?
Ela respondeu, foi simpática e até engraçada. Quando o primeiro passo acabou, disse mais. Era a sua chance de fazer alguma coisa.
– Tá namorando?
– (…) tô.
Ele nunca ficava solteiro. Bonito do jeito que era, não teria escapatória mesmo. Mas ele retribuiu.
– Eu continuo o mesmo. Gosto de você.
E ela cerrou os lábios novamente. Que nariz mais certinho. Com os óculos apoiados ficava ainda melhor. Ela gostava dele, sempre gostou. Mas com namorada não dá, baby.
– Quando ficar solteiro me procura?
Ele arregalou os olhos. Sorriu sincero. Tão santinha e diz uma coisa dessa?
– Pode deixar. Eu aviso você.
“…barulho quente do motor do ônibus”
Onde você achou isso?
Você me empresta? Eu digo que é seu… Mas me empresta?
Beijo.
claro que empresto ;)
adorei!
beijos
obrigada ;)